No Dia Mundial de Luta
Contra o Câncer, celebrado nesta terça (8), a afirmação do oncologista
Carlos Barrios é menos para causar pânico – se é que isso é possível – e
mais para fazer com que o País responda a um questionamento crucial
para o enfrentamento da doença. “A pergunta é: ‘quanto vale a vida com
câncer no Brasil’?”, questiona o médico, que é membro do Grupo
Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (Gbecam).
O Relatório Mundial do
Câncer 2014, divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estima
que o número de novos casos pule de 14 milhões em 2012 para 22 milhões
em 2030. Mais de 70% das mortes pela doença acontecem em países em
desenvolvimento, onde a detecção tardia, a demora em iniciar o
tratamento e a falta de acesso a medicamentos de última geração explicam
boa parte dos óbitos. No Brasil, em dez anos o câncer será a primeira
causa de morte – hoje é a segunda, responsável por 15,6% dos óbitos,
atrás das doenças cardiovasculares, como infarto e hipertensão.
Se o crescimento da
incidência é um fato, o problema é a falta de estrutura para enfrentar
essa epidemia, pondera Barrios. “O câncer é uma doença que pode ser
curada, pode ser controlada. Nos países desenvolvidos, apesar do aumento
da
Um exemplo típico é o
câncer de mama. No Brasil, no ano 2000, a doença matava nove a cada cem
mil mulheres. Em 2011, o número subiu para mais 11,9. Um movimento na
contramão do mundo desenvolvido, em que a chance de cura para esse tipo
de tumor chega a 90%. Por aqui, o porcentual é de cerca de 50%.
“O câncer daqui não é
pior do que o de lá. A diferença é de que lá há diagnóstico precoce e
acesso rápido a atendimento, o que não acontece por aqui”, afirma Maira
Caleffi, mastologista e presidente da Femama, Federação Brasileira de
Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama.
Quanto vale uma vida?
No Brasil, explica
Maira, apesar de desde o ano passado a lei prever que o atendimento a
pacientes com câncer deve ser iniciado em até 60 dias após o
diagnóstico, o prazo não é cumprido no Sistema Único de Saúde (SUS), que
atende a cerca de 75% da população. “No SUS, demoram 180 dias entre a
detecção e o início do tratamento do câncer de mama. Imagina o que esses
seis meses significam na diminuição da chance de cura.”
Isso sem contar o
acesso limitado e atrasado às opções de tratamento, explica Barrios. Em
pacientes com câncer de mama com metástase – que tem menor incidência,
mas é muito mais agressivo -, há uma medicação específica, a
Trastuzumabe, que é curativa. “O potencial remédio foi descoberto em
2005, mas a droga só ficou disponível no SUS em 2012. Nesse período de
tempo, entre 5 a 6 mil mulheres morreram por falta de acesso a esse
medicamento”, diz o médico.
Nesse período, Barrios
afirma, os convênios foram obrigados pelo próprio governo a oferecer o
tratamento com a droga, que é cara, mas as pacientes da saúde pública se
mantiveram à margem. “É uma discrepância absurda. O médico deve prover
prescrições diferenciadas frente a um mesmo diagnóstico para uma
paciente do SUS e para uma de saúde suplementar, uma vez que o SUS não
fornece o medicamento necessário?”
Sem garantia, resta à
mulher procurar a Justiça, como fez Rita de Cássia, de Porto Alegre. Ela
descobriu o câncer em 2012, quando tinha 39 anos. Fez a cirurgia de
retirada de mama, quimioterapia e radioterapia. No ano passado, foi
necessário substituir uma medicação por outra que seria a única eficaz
para o seu caso, mas que não fazia parte da lista de medicamentos
fornecidos pelo SUS. “Precisei acionar a Justiça, comprovar com muitos
laudos e justificativas de que era a única medicação e de que eu não
poderia arcar com o custo. Foi muito desgastante porque o procurador
achava que era muito caro e eu morreria de qualquer forma.”
Decidir ou não
investir no tratamento de Rita e de outras milhares de mulheres em sua
situação, afirma o oncologista Carlos Barrios, depende de incluir todas
as partes envolvidas no processo – administração pública, sociedade
civil, sociedades médicas e indústria farmacêutica – para responder a um
único dilema ético: “Quanto vale uma vida? Quanto estamos dispostos a
investir para manter viva uma pessoa com câncer?”
IG